Atenas, um refúgio

 As inscrições para o programa de mobilidade ERASMUS+, para o ano letivo 2021/2022, encontram-se abertas até dia 17 de fevereiro. Com o objetivo de dar a conhecer os destinos abrangidos para o curso de Ciência Política e Relações Internacionais, o NECPRI irá publicar uma série de testemunhos dos vários alunos que participaram neste projeto europeu.

Experiências ERASMUS de Mariana Cardoso (2019/2020)

Antes do ano letivo começar, houve uma reunião, num auditório da universidade, em que foi providenciado aos alunos de Erasmus algum contexto sobre a instituição - com o eclodir da crise, o financiamento da Panteion diminuiu em cerca de 70%. E com toda a consideração por esta quebra no apoio às universidades públicas, este facto é dito com orgulho; a despeito disto, as propinas continuam a ser 0, já que “a educação é um direito”. 

Eu diria que esta ideia condensa toda a minha memória de Atenas. Eu lembro-me de chegar e estar surpreendida- a cidade não é a metrópole limpa e supermoderna, como eu imaginava. As infraestruturas velhas e os serviços públicos latejam em torno de templos e ruínas espalhadas por toda a cidade. Mas há algo diferente e de puramente especial. Porque a Grécia da filosofia, da democracia, viu-se curvada perante a crise que teve de enfrentar, o que forçou uma população ciente da grandiosidade da sua cultura a depender de mecanismos de solidariedade. Mas ao invés de fervoroso orgulho, tem-se a complacência e empatia para com pessoas em situações semelhantes. E ao andar nas ruas vemos uma subcultura que persevera em passar uma mensagem de tolerância e de solidariedade global.

Andar pela cidade é a amostra perfeita da típica rotina grega- num ambiente completamente relaxado, barulhento, em que os locais tropeçam nas enchentes de turistas à porta dos templos, provavelmente com o seu terceiro café do dia na mão, atrasados para chegar a um qualquer compromisso; os alunos de Erasmus desesperam para agarrar todo e qualquer traço cultural para se embrenharem na enchente que é esta civilização, e no fim, o tempo escapa por entre os dedos, e os únicos traços que acabamos por adotar são a preguiça das horas de sol, e uma pequena quantidade de vocabulário que exalta os ânimos quando tentamos dela fazer uso em sítios públicos.

Falando em factos mais concretos sobre o custo de vida, em termos de renda, Atenas é mais acessível que Lisboa, e (de alguma forma estranha) é mais fácil encontrar casa. A Panteion tem uma boa localização, perto da Acrópole. De resto, o custo de vida parece semelhante a Portugal, com algumas coisas podendo ser mais caras- comida no supermercado, mas nada de mais quando comparado aos preços em Portugal- mas com imensos descontos para os alunos em tudo- 50% nos transportes, e grátis visitar museus e monumentos. Claro que nada pode ser perfeito, e a universidade, apesar de providenciar oportunidades de estudar áreas que nunca poderia ter estudado em Portugal é um bocadinho complicada e desorganizada, e parece estar já um pouco velha, guarnecida em todos os blocos de alunos por grafitis, pósteres de partidos políticos e manifestações, e com aglomerados de fumadores pelos corredores, a pintar as paredes de fumo, impertinentemente tingindo as paredes brancas das tentativas de lavagem dos grafitis. Outra coisa a notar é as greves e ocupações da faculdade. O fim do semestre foi adiado para mais tarde devido à quantidade de mobilizações e ocupações dos alunos da faculdade contra as novas leis que concernem o ensino superior público, aplicadas pelo atual governo. 

Apesar de parecer que enunciei só pontos negativos, é com grande carinho que vou relembrar aquela universidade, e o quanto sinto que aprendi, principalmente pela força de vontade dos alunos em se fazer ouvir. Lembro-me de ir a uma RGA e de nunca ter visto uma RGA numa sala tão cheia, num auditório, com pelo menos 150 alunos, independentemente do quanto se prolonguem as discussões; o diálogo a prolongar-se com uma dialética incrível, puxando por representantes dos alunos de todas as crenças políticas, gerando, por fim, consenso.

Sinto que em seis meses eu não parei em tristeza nunca, mas tenho a perfeita noção do que a realidade ateniense implica- mais sem abrigos, em que muitos deles estão na situação de refugiados, em fila de espera para uma entrevista que pode demorar anos a chegar. A pobreza, contudo, transparece em organizações e sistemas sociais de ajuda mútua- desde políticas do estado como refeições grátis nas universidades (todas as refeições), sistema nacional de saúde totalmente gratuito, até organizações não governamentais, constituídas por locais, sem qualquer hierarquia, tomando todas as suas decisões em assembleias que incluem todos os membros, e que visam integrar as pessoas que beneficiam dos seus serviços, para lutar o estigma da caridade. 

Atenas foi um sonho, foi um cantinho cheio de oportunidades, foi a minha segunda opção que representa agora uma das melhores decisões da minha vida. Não foi a Grécia das ilhas, das praias, não foi a Grécia clássica. Foi a cultura neo-helénica, foi um exemplo de estilo de vida, que eu quero empregar em todo o lado pelo mundo fora. Foi onde eu aprendi que por mais pequena que seja, com consciência de vida em comunidade, em que disponho pelo menos do meu tempo, dedicando-o às minhas causas, eu nunca vou ser tão pequena assim- foi o sítio onde me senti mais enorme.


Comentários

Mensagens populares