Terrorismo na UE: ataques, vítimas e detenções (2006-2020)

 



Terrorismo na UE: ataques, vítimas e detenções (2006-2020)

  

Joana Araújo Lopes

Alumni do curso de Ciência Política e Relações Internacionais (FCSH-UNL).

Antigo membro da Direção do NECPRI (2012-2013).

https://ciencia.iscte-iul.pt/authors/joana-araujo-lopes/cv

 

As opiniões expostas neste artigo vinculam exclusivamente os seus autores.

 

A análise que se segue encontra-se na tese de doutoramento que me encontro a finalizar; aqui descrita de forma muito simplificada. Entre 2006 e 2020, qual é o tipo de terrorismo com maior impacto na União Europeia (UE)?[1] A fim de responder a esta questão, analisei as estatísticas nos relatórios TE-SAT da Europol, sobre a situação e as tendências do terrorismo na UE, entre 2007 e 2021 (data da primeira e última publicações, que corresponde ao período entre 2006 e 2020). Considerei cinco tipos de terrorismo - jihadista; etno-nacionalista/separatista; extrema-direita; extrema-esquerda e “single issue” (relativo a causas específicas) - e analisei três variáveis: número de ataques terroristas; número de vítimas e número de detenções.

Esclarece-se ainda que esta análise segue a definição jurídica de terrorismo da União Europeia, explanada na Diretiva 2017/541 do Parlamento e do Conselho da UE, que substitui a Decisão-Quadro de 2002 (2002/475/JAI), a anterior “pedra angular da resposta da justiça penal dos Estados-Membros” (ver Diretiva). Deste modo, de acordo com o artigo 3º da Diretiva, “infrações terroristas” na UE são atos “suscetíveis de afetar gravemente um país ou uma organização internacional” com o objetivo de:

“(a) Intimidar gravemente uma população;

(b) Compelir de forma indevida os poderes públicos ou uma organização internacional a praticarem ou a absterem-se de praticar um ato;

(c) Desestabilizar gravemente ou destruir as estruturas políticas, constitucionais, económicas ou sociais fundamentais de um país ou de uma organização internacional”

 

Variável 1. Número de ataques terroristas (gráfico 1)

Esta variável refere-se ao total de ataques CFF na União Europeia: concretizados (ataques executados na plenitude); falhados (ataques mal sucedidos por ação do grupo terrorista) e frustrados (ataques prevenidos pelas autoridades). Desconhecem-se os números para cada tipo de ataque. Em catorze anos (2006-2020), a União Europeia contabiliza-se um total de 3.746 ataques CFF. O terrorismo etno-nacionalista/separatista contabiliza o maior número de ataques, registando um total de 2.633 naquele período. Segue-se o terrorismo de extrema-esquerda (415); jihadista (139); extrema-direita (35) e “single issue” (14). Contudo, registam-se 436 ataques CFF “não identificados”, o que pode perturbar estas conclusões. No top 3 dos principais países afetados destacam-se a França, a Espanha e o Reino Unido.


Gráfico 1.


Fonte: Elaboração própria com os dados nos TE-SAT (2007-2021).

Nota: (i) CFF = Ataques terroristas concretizados, falhados e frustrados. (ii) Nomes dos tipos de terrorismo simplificados. Exemplo: “Separatismo” = Terrorismo etno-nacionalista/separatista.

 

Variável 2. Número de vítimas (gráfico 2)

Entre 2006 e 2020, contabilizam-se 455 vítimas de ataques terroristas na UE e pelo menos 1.747 feridos. O terrorismo jihadista ocupa a primeira posição, com 404 vítimas, seguido do terrorismo de extrema-direita (16); depois o terrorismo etno-nacionalista/separatista (13) e os lobos solitários (2). O terrorismo de extrema-esquerda não regista vítimas.

 


Gráfico 2.

Fonte: Elaboração própria com os dados nos TE-SAT (2007-2021).

Nota: Nomes dos tipos de terrorismo simplificados. Exemplo: “Separatismo” = Terrorismo etno-nacionalista/separatista.

 

Variável 3. Número de detenções (gráfico 3)

Entre 2006 e 2020, a UE contabiliza um total de 11.479 detenções, prevalecendo as detenções relativas ao terrorismo jihadista (5.137). Segue-se o terrorismo etno-nacionalista/separatista (3.274); extrema-esquerda (721); extrema-direita (276) e “single issue” (14). Porém, existem 2.057 detenções “não identificadas”, o que limita a interpretação dos resultados obtidos.

Gráfico 3.



Fonte: Elaboração própria com os dados nos TE-SAT (2007-2021).

Nota: Nomes dos tipos de terrorismo simplificados. Exemplo: “Separatismo” = Terrorismo etno-nacionalista/separatista.

 

Totais (Gráfico 4): Em catorze anos, entre 2006 e 2020, ocorreram 3746 ataques terroristas CFF na UE, entre os quais se contabilizam 455 vítimas mortais. Neste período, o conjunto dos estado-membros detiveram 11479 indivíduos nos respetivos territórios.

 Gráfico 4.


Fonte: Elaboração própria com os dados nos TE-SAT (2007-2021).

 

Conclusão

Entre 2006 e 2020, qual é o tipo de terrorismo com maior impacto na União Europeia (UE)? Face aos resultados obtidos, conclui que existem dois tipos de terrorismo com maior impacto na UE: o terrorismo etno-nacionalista/separatista (porque é o causador do maior número de ataques CFF) e o terrorismo jihadista (porque é causador do maior número de vítimas e o que detém maior número de detenções).

Considerando os resultados e sabendo que, desde 2004 até à atualidade, a retórica europeia prioriza o terrorismo jihadista como a principal ameaça terrorista na UE[1], pode afirmar-se que essa prioridade é justificada? Por um lado, as estatísticas não justificam essa prioridade, por duas razões. Primeiro, porque o tipo de terrorismo com maior número de ataques CFF é o terrorismo etno-nacionalista/separatista, logo é a ameaça predominante. Segundo, porque as atividades da extrema-direita têm causado disrupções significativas: apesar do seu impacto não se refletir nem no número de ataques na União Europeia, a Europol alerta, desde 2006, que é um “desafio crescente” nos estados-membros, evidenciando a sua natureza violenta bem como as ligações internacionais dos grupos ativos em espaço europeu. Por outro lado, a prioridade atribuída ao terrorismo jihadista justifica-se por três razões.

 

1.     O número de vítimas e de detenções relativas a este tipo de terrorismo superam os restantes nas mesmas variáveis.

 

2.     O extremismo jihadista e as suas atividades são uma preocupação recorrente para a UE, das quais se destacam: a radicalização e recrutamento de cidadãos europeus; o retorno dos combatentes terroristas estrangeiros, provenientes da Síria e do Iraque; e os lobos solitários inspirados neste tipo de extremismo.

 

3.     A resposta dos estados-membros ao terrorismo é elaborada tendo em conta a evolução da ameaça a nível europeu e internacional. Isto é um dado relevante porque, segundo as estatísticas do Global Terrorism Index (GTI), a ameaça preponderante, na Europa e Estados Unidos, é o terrorismo de matriz jihadista, tanto a nível de ataques perpetrados como de vítimas. Por exemplo, o GTI de 2019 refere que, excluindo os ataques do 11/9, “o terrorismo islamista é mais mortífero do que o terrorismo de extrema-direita, com 3.6 vítimas por ataque”.

 

Como nota final, cumpre salientar que o terrorismo é apenas um entre os vários desafios mundiais, mas mantém a centralidade como uma das principais ameaças à paz e segurança, como ilustra a crise humanitária e securitária em Cabo Delgado (Moçambique). A ONU, por ocasião do seu 75º aniversário (2020), alerta para a emergência de uma “nova era de conflitos e violência”, evidenciando o impacto negativo do terrorismo e do extremismo violento nas sociedades.

 



[1] O presente artigo corresponde a uma atualização de um texto anterior, sobre a mesma matéria, que foi publicado pelo Iscte em novembro de 2020: “Ataques terroristas e vítimas na União Europeia entre 2006 e 2019” https://blog.cei.iscte-iul.pt/ataques-terroristas-e-vitimas-na-uniao-europeia-entre-2006-e-2019/.

[2] Pressuposto analisado e confirmado em tese.

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