Corrupção e Moçambique: Da Independência à Atualidade
Introdução
A descolonização em Moçambique foi um processo
repentino que pode estar na génese de múltiplos conflitos que têm sucedido
desde 1975. A saída súbita das tropas portuguesas da ex-colónia não permitiu
uma adaptação por parte dos moçambicanos à liderança do país emergente,
complicando a situação do mesmo. Desde então, o país passou por momentos
cruciais, tanto positivos como negativos, incluindo períodos de guerra,
reconstrução e desafios políticos e económicos, tal como a corrupção, que tem
sido uma das principais barreiras ao desenvolvimento do mesmo. Da independência
à atualidade, o país africano tem apresentado variadas dificuldades que irão
ser desenvolvidas neste artigo.
Independência de Moçambique
Após a permanência de Portugal no território
ultramarino durante quase cinco séculos, a 25 de junho de 1975, foi declarada a
independência do mesmo. A guerra da
independência de Moçambique, resultado da indignação e frustração da população
moçambicana relativamente à administração estrangeira, iniciou-se em 1964.
Todavia, os movimentos nacionalistas por parte das ex-colónias portuguesas já
vinham a aumentar, culminando, no caso de Angola, em 1961, e no da Guiné-Bissau
em 1963.
A luta por esta liberdade intensificou-se na
década de 1960, liderada pela Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO),
movimento anticolonialista e assumidamente marxista-leninista, fundado em 1962
na Tanzânia, por Eduardo Mondlane. A frente revolucionária lançou uma campanha
militar em Moçambique em nome da libertação do território, que se encontrava
ainda sob o domínio português. Depois de uma guerra colonial intensa, duradoura
e extremamente mortal, foi assinada a independência de Moçambique. A FRELIMO
tomou poder logo após a retirada de Portugal e Samora Machel, sucessor de
Mondlane, tornou-se o primeiro presidente da República Popular de Moçambique.
Deu-se, nesta altura, uma série de nacionalizações de empresas e propriedades
estrangeiras que, em conjunto com a expulsão de colonos portugueses levou a uma
crise de gestão em vários setores.
Guerra civil moçambicana
Com a abertura ao multipartidarismo causada pela
revisão da Constituição em 1990, Moçambique entrou em guerra civil desde 1977
até 1992 entre a FRELIMO e a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO). Este
segundo movimento tinha o apoio da antiga Rodésia, atual Zimbabué e da África
do Sul, vizinhos de Moçambique. Durante a guerra, ambos os lados foram acusados
de práticas corruptas, incluindo o desvio de ajuda humanitária e tráfico de
armas.
Em 1989, aquando da caída da URSS e do regime
comunista na Europa, a Frente de Libertação de Moçambique abandonou a ideia do
marxismo-leninismo por considerar que não se adequava à realidade africana. A
violência extrema, a destruição de infraestruturas e a crise humanitária
decorrente deste período foram causas para o subdesenvolvimento do país, algo
evidenciado até aos dias de hoje. Todavia, o conflito terminou com o Acordo
Geral de Paz assinado em Roma em 1992.
Multipartidarismo e aproximação à democracia
As Eleições Gerais em Moçambique realizadas em
1994 trouxeram uma nova era de desentendimentos. Os primeiros passos rumo a uma
democracia desencadearam múltiplos tumultos que ainda estão presentes na
atualidade. O início do multipartidarismo e a realização das primeiras eleições
no país reconhecidas pela Organização das Nações Unidas deram vitória a Joaquim
Chissano, que defendeu a introdução de uma economia de mercado, com algumas
privatizações e reformas económicas. A RENAMO não deixou de contestar,
no entanto, acabou por aceitar os resultados eleitorais. Já em 1999, nas
segundas eleições, o resultado repetiu-se, elegendo o mesmo presidente
representante da FRELIMO. Aqui, o descontentamento foi sentido principalmente
devido à alegada fraude que sucedeu na contagem de votos. No ano seguinte, em
2000, manifestantes provaram ser contra os resultados na província de Cabo
Delgado, no literal nordeste do país, resultando em mortes e mais de 700
detenções. As sucessivas irregularidades nas eleições e a difícil integração
dos ex-guerrilheiros da RENAMO no exército nacional foram dos principais
motivos que aumentaram a tensão com o Governo. Desta forma, a falta de
confiança que já antes caracterizava as relações dos mesmos, aumentou.
Agitações no final da década de 2000
Este passado histórico de Moçambique, cheio de
tensões dentro da política e da sociedade civil, agravou-se no final da década
de 2000. Com o aumento de crises climáticas, como cheias e pragas regulares
dentro do país, era ainda mais complicado para resolver os problemas de fome
dos cidadãos. Além disso, o custo da vida cessava de aumentar, pois os preços
dos bens aumentavam mais depressa que os salários. Esta situação fez com que os
habitantes de Moçambique tivessem bastante dificuldade em sobreviver já que o
Estado não auxiliava com as necessidades básicas da população.
Este conjunto de fatores culminou em fevereiro de
2008 com o aumento do preço dos combustíveis que criou uma grande revolta nos
moçambicanos. Enormes protestos populares foram organizados e uma grande onda
de “destruição” submergiu as cidades de Maputo e Matola. A “greve” foi parada
quando foi tomada a decisão de não alterar o preço dos transportes.
Esta crise foi controlada, porém, dois anos
depois, em setembro de 2010, uma nova vaga de protestos surgiu com o aumento do
custo do pão e outros produtos. As mesmas cidades entraram de novo num cenário
de alta violência com uma dezena de mortos e centenas de feridos. Tal como em
2008, o Governo congelou o aumento dos preços para acalmar a população.
Dois anos mais tarde, a mesma situação repetiu-se,
em novembro de 2012, novos protestos surgiram devido às tarifas dos
transportes, porém, a polícia, estando melhor organizada, conseguiu reprimi-los
de forma muito eficaz. Apesar de ter sido menos caótico e impactante que as duas
revoltas anteriores, algumas cidades ainda ficaram bloqueadas durante um dia e
meio.
Nova era de tensão política
Seguiram-se uns anos de muitas revoltas dentro da
população, que foram acompanhados nos anos seguintes por muitos conflitos entre
a RENAMO e o Governo. Em 2012, a lei eleitoral moçambicana continuava bastante
instável e suscetível a erros, segundo a população. Uma falta de clareza
relativamente à imprensa e na contagem dos votos tornava o processo eleitoral
muito sujeito a fraude e corrupção.
Devido a esta situação, a RENAMO e o Governo
estavam numa situação muito tensa, sobretudo quando Afonso Dhlakama, na altura líder
da RENAMO, instalou uma base militar na Gorongosa para poder exercer pressão
sobre o Governo. Em 2013 as forças governamentais atacaram a mesma e isso foi
considerado, por Dhlakama, como uma “declaração de Guerra” que obrigou a RENAMO
a retirar-se do Acordo Geral de Paz de 1992. Com uma ameaça de um regresso à guerra
civil, a resposta internacional foi tímida e sem grande impacto.
Em 2014 o Governo e a RENAMO chegaram a um acordo
relativamente à revisão da lei eleitoral, no qual a nova comissão de eleição
possuía 17 membros, dos quais 5 da FRELIMO, 4 da RENAMO, um do MDM e os
restantes apontados pela sociedade civil. Um acordo de paz foi encontrado em
agosto de 2014 após 69 rondas negociais com um documentado assinado pelo
presidente Guebuza e por Dhlakama. Mesmo que este sistema possa propriamente ser
considerado o mais democrático, o acordo foi satisfatório para a RENAMO e, com
a morte de Dhlakama em 2018, este modelo pareceu funcionar ainda melhor. Em
2019, Ossufo Momade substituiu Dhlakama e assinou o definitivo acordo de paz. Com
uma RENAMO menos reivindicativa e com uma comunidade internacional tolerante, a
FRELIMO continuou a abusar do seu poder nos meios económicos para ter controlo
sobre o país, porém, não reparou na criação de uma sociedade civil organizada e
crítica deste Governo.
Em 2019 formaram-se novas tensões que surgiram
devido ao período de eleições que apresentou resultados altamente contestados
pela oposição, relacionados com a falta de transparência da CNE (Comissão
Nacional de Eleições). Aumento da pobreza e eleições manipuladas deram lugar a
mais revoltas populares, rapidamente reprimidas. Além disso, países vizinhos a
Moçambique viram a oposição a vencer, como na Zâmbia, no Botswana ou na África
do Sul. Este sentimento de injustiça foi acompanhado pela chegada de Venâncio
Mondlane que chegou à cena política como “Messias” por ser pastor, religioso e
criando promessas de um futuro melhor para a população.
Eleições de 2024 e atualidade
Em outubro de 2024, novas eleições aconteceram em
Moçambique que viram novamente a FRELIMO e o seu candidato como vencedores.
Novamente uma eleição fraudulenta e com resultados contestados. De acordo com o
Conselho Constitucional, houve irregularidades no processo eleitoral e fraude
observada, no entanto, foi considerado que não iria influenciar o resultado,
por isso que não seria necessário repetir eleições. Com esta informação, a
população entrou numa nova vaga de violência e protestos, liderados por Mondlane
e outros candidatos insatisfeitos com os resultados. Tipos de contestações como
avenidas bloqueadas e destruição de estabelecimentos têm vindo a acontecer desde
outubro de 2024 e até, pelo menos, março de 2025. Todavia, para Daniel Chapo,
presidente e líder da FRELIMO, estas contestações não estão relacionadas com as
eleições, mas sim organizadas pela oposição para “desestabilizar o país e
instalar o caos”.
A 15 de janeiro de 2025, Daniel Chapo foi
investido como quinto Presidente da República de Moçambique numa cerimónia de
alta segurança, pois, enquanto esta acontecia, enormes confrontos existiam em
Maputo e diferentes pontos do país. Foram registados, pelo menos 300 mortos,
mais de 600 feridos e mais de 4000 detidos nas manifestações pós-eleitorais. Esta
situação não passou totalmente desapercebida a nível internacional, pois
somente dois chefes de Estado africanos foram testemunhar a tomada de posse e,
pela primeira vez em vários anos, o Presidente da República Portuguesa, Marcelo
Rebelo de Sousa, esteve ausente na cerimónia.
A situação de Moçambique é então muito complexa,
com um passado historicamente complicado entre dois grandes partidos, mas com
um domínio total da FRELIMO. A população demonstra-se altamente insatisfeita
com as eleições recentes e com o estado da democracia atual no país. Os órgãos
mais importantes na contagem dos votos assumiram ao público a existência de
fraude e corrupção no país de forma aberta, porém continuaram com os mesmos
resultados e a única resposta às manifestações foi repressão violenta.
A falta de transparência existente no governo e o
seu controlo nos recursos principais do país permitem um poder demasiado forte
que torna quase impossível revirar a situação. A população pede para ser ouvida
há já quase 6 meses, contudo, o Governo continua com este clima de
instabilidade política para poder manter o seu regime.
Hoje em dia, Moçambique faz parte de um dos países
africanos considerados parcialmente livres. Porém, com este declínio recente
nas liberdades e no poder da opinião pública, é possível que esta situação se
deteriore. De acordo com a Fundação Mo Ibrahim que analisa os anos eleitorais
dos países africanos para analisar o seu processo político e democrático,
Moçambique foi realçado como um dos destaques pela negativa em 2024 por
“excluir a vontade do povo”.
Conclusão
Desde a sua independência em 1975, Moçambique
enfrentou desafios significativos, incluindo uma guerra civil devastadora,
crises económicas e políticas e problemas estruturais como a corrupção. A transição
para o multipartidarismo e a aproximação à democracia trouxe esperança, mas o
país continua a ser marcado por instabilidade política e desigualdade social,
algo que demonstra ser uma barreira ao desenvolvimento do mesmo, afetando a
confiança da população nas instituições e prejudicando a economia.
Assim, a trajetória do
país revela um cenário complexo, onde avanços democráticos coexistem com
práticas autoritárias e problemas estruturais. Para que Moçambique alcance um
desenvolvimento sustentável e uma democracia mais sólida, é essencial
fortalecer a transparência, combater a corrupção e garantir a participação
efetiva da sociedade no processo político.
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