Tertúlia «Preto no Branco – Racismo na Sociedade Portuguesa»
Tertúlia «Preto no Branco – Racismo na Sociedade Portuguesa»
Na última terça feira, dia 20 de outubro, às 18 horas, decorreu a primeira tertúlia do NECPRI deste ano letivo, centrada num tema ainda tabu em Portugal - o racismo. O título do evento tão bem descrito, dizia: «Preto no Branco – Racismo na Sociedade Portuguesa». Mais do que um jogo de palavras, este título evidencia o propósito de clareza e objetividade na análise do Racismo como fenômeno social. A tertúlia adotou um conceito diferente das passadas experiências do NECPRI: à parte de ter sido realizada em formato virtual, na plataforma Zoom, procurou-se um olhar interdisciplinar do racismo, focado nas suas vertentes histórica, sociológica e política. Como tal, reunimos três convidadas com formações académicas e experiências profissionais bastante distintas: a Prof.ª Dra. Isabel Castro Henriques, investigadora e especialista em História dos Africanos em Portugal e História do Colonialismo Português; a Dra. Joana Gorjão Henriques, jornalista do Público e autora dos livros Racismo em Português e Racismo no País dos Brancos Costumes; e a Dra. Angella Graça, Presidente da Direção do Instituto da Mulher Negra em Portugal (INMUNE). O evento decorreu com duas principais divisões, um primeiro momento de colocação de perguntas por parte da moderadora às convidadas, e um segundo momento de interação com o público. Abaixo constam algumas das principais ideias que extraímos da tertúlia.
Os contornos atuais do racismo partem de uma consolidação, durante vários séculos, de preconceitos acerca de características físicas e culturais dos africanos, associados a ideias de selvajaria e animalidade. A ideologia colonial criou ideias e mitos que desumanizam estes povos e que influenciam, ainda hoje, o imaginário português. Segundo Isabel Castro Henriques, só a partir do presente século se procurou desconstruir esses mesmos preconceitos. Há, no entanto, uma constante negação do racismo na sociedade portuguesa, por mais que o mesmo esteja expresso de forma indubitável em termos estruturais e institucionais. A discriminação racial faz com que as condições em que as pessoas partam sejam diferentes: existe uma hierarquia social, assente em relações raciais, que extravasa as classes sociais. Esta discriminação está espelhada, inclusive, nas instituições, o que é percetível em leis discriminatórias e na inércia das autoridades locais face a certas problemáticas sociais. Nas palavras de Joana Gorjão Henriques, “as autarquias demitem-se da sua responsabilidade social” perante as comunidades afrodescendentes. A dialética entre africanos e europeus parte de relações de poder profundamente enraizadas no tecido social português: no que toca às relações interpessoais, persiste um discurso violento e discriminatório que cai no âmbito das micro agressões. Dos órgãos de comunicação social às forças de segurança, encontramos um sistema que, consciente e inconscientemente, não quer dar resposta ao racismo. “Declarações de repúdio não bastam”, tal como Angella Graça vinca, alertando para o imperativo de atuar a nível governativo. Algumas das propostas para lidar com estas questões passam não só pela recolha de dados étnico-raciais, como pela implementação temporária de um sistema de quotas e pela representatividade de pessoas negras a nível político.
O público teve direito a um espaço de diálogo com as convidadas, tendo colocado perguntas bastante pertinentes, cujos temas variaram da ciganofobia, às questões da linguagem e da importância dos movimentos afrodescendentes para a sensibilização do racismo. Apesar de um mundo sem racismo ser ainda uma ideia utópica, não significa, porém, que as suas manifestações não possam ser atenuadas. Para tal, é necessário passar por uma fase de reconhecimento e de discussão do problema de modo a avançar para um âmbito mais interventivo, que passa também pela formação das crianças e dos jovens para destruir ideias feitas e abraçar, finalmente, a pluralidade da sociedade portuguesa.
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