Os jovens e a política: abstenção ou ceticismo?

 



Os jovens e a política: abstenção ou ceticismo?


“Os jovens de hoje são os homens e as mulheres de amanhã. Falar de juventude significa voltarmo-nos para o futuro." (Mário Soares - Discurso numa sessão do Movimento de Unidade Democrática, novembro de 1946)


1. INTRODUÇÃO

Em 2022, o número de eleitores em Portugal entre os 18 e os 29 anos representava 14,7% de todo o universo eleitoral do país. A participação política destes “homens e mulheres de amanhã” é fundamental para a garantia de um melhor futuro. No entanto, a ida dos jovens às urnas tem vindo a diminuir nos últimos anos, e a perceção de que os jovens estão “desligados da política” tornou-se frequente no debate público. Mas será que existe mesmo uma falta de interesse na política por parte da juventude? 

É importante considerar que a relação entre os jovens e a política não é meramente sistemática, na qual o voto se torna numa rotina e a participação política também, os padrões de comportamento das gerações mais recentes interseccionam-se diretamente com sua cultura política, esta, predominantemente caracterizada pelo uso ativo das redes sociais. No presente artigo, procuraremos dar a conhecer de que modo este fenómeno, relação jovens/política, caracteriza a sociedade portuguesa e o seu comportamento político-eleitoral. O retrato político que fazemos da juventude portuguesa, apesar das suas particularidades, assemelha-se aos fenómenos que se assistem noutras democracias liberais.

Para compreender tal dinâmica é necessário analisar o principal intermediário entre a população e a política, os partidos políticos. Se os jovens detêm taxas de abstenção alta, enquanto a geração mais politicamente informada, existe aqui um problema fulcral a analisar. Os jovens não “fugiram” da política, sentem-se, pelo contrário, céticos em relação ao sistema convencional que permanece no país. Assim, os partidos políticos devem ser um importante instrumento de mobilização dessa faixa etária, adaptando-se a uma nova cultura política, onde os meios digitais têm cada vez um maior papel na participação da juventude.


2. NÃO É FALTA DE INTERESSE… É CETICISMO

A abstenção eleitoral jovem aumentou nos últimos anos. No entanto, tal não significa uma falta de interesse, até porque interesse e participação política não são duas variáveis estreitamente correlacionadas: o facto de não haver participação eleitoral, não significa que não haja um interesse pela política. Segundo o Relatório da Gulbenkian, “A Participação Política da Juventude em Portugal”,  “A ideia prevalecente é a de que a/os jovens se interessam pelas questões políticas (em sentido amplo), mas não se reveem nos fóruns políticos convencionais” (Costa et al., 2022: 7), ou seja, são vocalmente interessados por causas isoladas, muitas vezes de teor político e social, mas nunca se sentem realmente representados por nenhuma instituição.

Assim sendo, a compreensão do  interesse dos jovens pela política “requer, antes de mais, uma reflexão sobre a existência de diferentes modalidades de participação política” (Costa et al., 2022: 5) e o modo como o interesse político da juventude se relaciona com essas modalidades: a participação “convencional” e a participação “não-convencional”.

No primeiro caso, os métodos de participação, que “têm como objetivo influenciar a tomada de decisões políticas e que estão enquadradas nas instituições da democracia representativa” (Magalhães, 2022: 6), sofreram um declínio entre os eleitores mais jovens. De acordo com o estudo realizado pela Fundação Calouste Gulbenkian, os jovens adotaram de forma menos regular comportamentos de participação política convencional coletiva como, por exemplo, participar num comício de um partido ou de um candidato ou distribuir panfletos com conteúdo político, realçando-se, ainda, uma menor tendência para uma forma de participação política convencional (individual) muito importante: votar em eleições (Costa et al., 2022: 7). 

No entanto, a baixa participação convencional não reflete uma diminuição do interesse pela política. Pelo contrário, constata-se uma maior participação de jovens nas modalidades não-convencionais de participação política (cívica e online) e “há sinais de que os jovens têm mesmo sido os protagonistas mais destacados desse aumento da mobilização social e política não-eleitoral” (Costa et al., 2022: 3).  Tal se comprova pelos movimentos ambientalistas liderados pelos jovens em todo o mundo. Apesar de estarem no grupo dos que menos votam, os mais jovens têm mostrado interesse em participar na vida cívica através de vias não convencionais, tais como manifestações, assinatura de petições, boicote à aquisição de produtos ou participação em movimentos de causas públicas. Além disso, a participação não-convencional permite uma maior participação dos jovens que ainda não têm idade para votar. 

Deste modo, é falacioso afirmar que os jovens não têm interesse pela vida política. Existe, sim, um ceticismo em relação àqueles que são os modos de participação convencional, evidenciado, sobretudo, pela baixa prática eleitoral. “Mais, mesmo admitindo que existe uma parte da juventude passiva e desinteressada, este fenómeno é atribuído à desilusão com os atores políticos (…) e à sua incapacidade de motivar e mobilizar as gerações mais novas.” (Costa et al., 2022: 7). Perante isto, compete às forças políticas, com destaque para os partidos, agirem no sentido de mobilizarem a juventude e as suas reivindicações.


3. PARTIDOS POLÍTICOS E MOBILIZAÇÃO DA JUVENTUDE

Num país onde a população com mais de 60 anos representa cerca de 37% do universo eleitoral, os partidos políticos concentram os seus esforços para a  faixa etária idosa, em detrimento dos jovens. Assim, “a origem do afastamento dos jovens da política é identificada maioritariamente do lado da oferta e, em particular, ao nível da (falta de) mobilização e motivação dos mais jovens. Por um lado, é apontada a falta de eficácia dos partidos políticos nas suas estratégias de comunicação (que deveria ser mais ancorada nos meios digitais) e na desadequação das suas propostas. ” (Costa et al., 2022: 11). 

De facto, os partidos, enquanto principais agentes de representação política e canais de participação convencional, têm um importante papel na mobilização do interesse político dos mais jovens. Contudo, um estudo desenvolvido para o Conselho Nacional da Juventude (“Estudo sobre a participação política juvenil em Portugal: Resultados de um inquérito online e de grupos de discussão com jovens”), “indica que 89,6% dos jovens já votaram em eleições, mas essa percentagem reduz-se significativamente no que se refere à militância partidária ou sindical, com apenas 17,5% filiados em partidos e 2,4% em sindicatos” (LUSA, 2023). Os dados demonstram um afastamento dos jovens da militância partidária e sindical, não só porque não se sentem representados, mas também pelo crescente ceticismo em relação às estruturas desses organismos. 

Os jovens não se sentem representados pelas estruturas partidárias convencionais, do mesmo modo que os partidos ainda não foram capazes de se adaptar às exigências da juventude. De facto, “é frequente a perceção de que os próprios partidos têm estratégias de comunicação e mobilização inadequadas para os mais jovens e de que têm uma visão predominantemente instrumental das estruturas juvenis” (Costa et al., 2022: 3). Ambos os lados, jovens e partidos, podem ser mutuamente complementares, no sentido em que os jovens revitalizam os partidos assim como os partidos permitem uma maior participação política dos jovens. Para tal, os partidos necessitam de se adaptar à nova cultura política dos jovens, baseando-se nas novas formas de comunicação e informação: os meios digitais.


4. REDES SOCIAIS E CULTURA POLÍTICA

Para compreender como os jovens interagem com a política, é necessário também analisar a sua cultura política, como interagem enquanto geração com o meio em que se encontram, sendo essa caracterizada por normas, crenças, atitudes e práticas. A cultura política da Geração Z, reflete uma conduta diferenciada, afinal são fortemente influenciados pelo ambiente em que cresceram: a ascensão da tecnologia e das redes sociais e a aceleração da troca de informação ao redor do mundo.

É uma cultura fortemente inclinada para a participação cívica online e o ativismo digital, onde a informação atravessa os quatro cantos do mundo num segundo, permitindo aos jovens de permanecer informados sobre questões políticas e sociais. Existe o ceticismo para com as instituições, utilizando o meio digital para revelar o seu descontentamento. A participação política online é cada vez mais uma realidade nas democracias liberais, com os jovens a liderarem o centro das discussões políticas- “A Internet aumentou as possibilidades abertas à participação e agência políticas juvenis, contribuindo eventualmente para compensar o afastamento e o ceticismo do/as jovens face à política tradicional” (Soares et al, 2022: 6). De facto, os meios digitais, com destaque para as redes sociais, tornaram-se o novo canal de participação política não-convencional do século XXI, exercendo uma grande influência tanto nas campanhas e resultados eleitorais, como na opinião pública quotidiana. As redes sociais não são necessariamente um problema, a troca de opiniões contraditórias é o que dinamiza o debate político, algo fulcral para o reforço da máquina democrática. 

Ao publicar um story sobre o impacto da inflação na habitação, ou ao republicar posts sobre a crise climática, os jovens provam interesse em tópicos contemporâneos que abrangem a todos, porém, verifica-se cada vez menor afiliação política tradicional. O que se compreende é que a relação dos jovens com os partidos também foi reconfigurada, na medida em que, se antes era comum um compromisso duradouro com os partidos políticos, atualmente, os jovens pensam muito mais antes de se comprometer a uma juventude partidária - podem aprovar certas medidas em relação ao tema x, mas ao não concordar com o tema y, preferem não afiliar, permanecendo numa grey area entre vários partidos.

Ao analisar o comportamento político dos jovens, os partidos tentam acompanhá-los com diversas estratégias de modernização das redes sociais, procurando criar uma dinâmica mais autêntica entre os partidos e o eleitorado mais jovem. Partidos com um público alvo mais jovem, são também aqueles com maior visibilidade nas redes sociais: por exemplo, em Portugal, os partidos com mais seguidores no Instagram são o Chega (com 151 mil seguidores), a Iniciativa Liberal (95,2 mil seguidores) e o Bloco de Esquerda (57,1 mil), que são também os partidos com maior interesse nos mais jovens. O facto de serem os partidos com mais seguidores, não significa necessariamente  que terão um maior eleitorado, mas que estarão inevitavelmente no centro das discussões políticas dos jovens. 

Existe, porém, um perigo na dinamização das redes sociais: a alienação política. Não é segredo para ninguém que os dispositivos eletrónicos seguem um determinado algoritmo, moldado segundo o conteúdo consumido, seja por nós ou aqueles à nossa volta. É evidente que as redes sociais não são apenas de entretenimento pessoal e quando utilizado num contexto político, as páginas que seguimos, os vídeos, tweets, posts que curtimos seguem uma determinada ideologia, e a partir do momento em que se torna num padrão, é cada vez mais difícil de sair da "bolha online” em que nos inserimos. Se as redes sociais se poderiam tornar em ambientes de debate coletivo, com a setorização política nestes espaços virtuais, as bolhas isolam-se cada vez mais, afinal, dentro delas, todos, ao consumir o mesmo conteúdo tornam-se progressivamente alienados dentro da sua própria ideologia, diminuindo a necessidade de compreender o mundo fora dessa bolha, o que torna o debate político online cada vez menos educacional e cada vez mais concentrado num discurso de ódio sensacionalista. 

A problemática da alienação política através das redes sociais é ainda mais relevante ao denotar que a maior parte dos jovens utiliza a internet como modo de se informar, quando, um dos maiores problemas do mundo digital é a propagação de fake news e desinformação. Grande parte dos jovens estipula como verdade o que lê no twitter, vê no tiktok e torna-se o dever das instituições impedir essa desinformação. Porém, é importante também considerar que os partidos tendem a aproveitar-se disso, principalmente a extrema-direita que com o COVID-19 e o isolamento social cresceu exponencialmente no meio online, através de um fenômeno chamado micro-targeting de anúncios e propaganda eleitoral para determinados grupos- aqueles com menor instrução e senso críticos- muitas vezes com factos desinformadores. O combate às fake news parte fundamentalmente de um esforço dos próprios jovens de se informarem melhor, procurar diferentes fontes de informação, procurando também parar a propagação dos discursos de ódio para promover um debate verdadeiramente enriquecedor nas redes sociais.


5. CONCLUSÃO

A análise a respeito do interesse dos jovens na política revela uma complexidade de sentimentos que vai além da simples redução do engajamento. Contrariando a percepção comum de que os jovens estão menos interessados em política, emerge a constatação de que, na verdade, eles permanecem interessados, mas com uma abordagem mais crítica e cética. Esse ceticismo parece ser direcionado principalmente à democracia e ao papel desempenhado pelos partidos políticos, sentindo-se menos representados em contraste a um eleitorado mais velho e conservador. Muitos jovens manifestam a percepção de que as suas vozes não são efetivamente ouvidas nos processos políticos tradicionais, levando a uma desconexão entre as instituições democráticas e a realidade das suas preocupações e aspirações, encontrando nas redes sociais uma forma de se expressar politicamente.

Ao mesmo tempo, o ceticismo em relação aos partidos políticos reflete uma insatisfação com as opções disponíveis. A falta de representatividade e a percepção de que os partidos não abordam adequadamente as questões que são relevantes para os jovens, contribuem para uma atitude mais crítica e desconfiada. Esta dinâmica desafiadora entre o interesse persistente e o ceticismo, revela um cenário em que os jovens não se estão a afastar da política, mas sim a redefinir as suas formas de envolvimento. Assim, surgem novos canais de expressão, como movimentos sociais, plataformas online e iniciativas de base, que permitem aos jovens direcionar a sua energia de forma mais alinhada com as suas visões e valores.


BIBLIOGRAFIA

“Os jovens não leem, fazem ‘scan’”. Um conselho para os políticos: “Falem com eles antes de definirem uma estratégia” - CNN Portugal (iol.pt)


Atividade de extrema-direita e ciberataques aumentaram durante a pandemia - Renascença (sapo.pt)


Costa, P.; Magalhães, P.; Costa, E.; Menezes, I.; Silva, P.; Ferreira, P. (2022). A Participação Política da Juventude em Portugal: Relatório Síntese. Fundação Calouste Gulbenkian. Relatório online consultado a 25/01/2024: https://cdn.gulbenkian.pt/2022/03/Relatorio-Sintese.pdf


Feio, Catarina & Oliveira, Lidia & Martins, José. (2023). As Redes Sociais como meio de expressão política dos jovens em Portugal. Observatorio (OBS*). 17. 205-223. 10.15847/obsOBS17420232325. 


LUSA (2023). “Cerca de 90% dos jovens já votaram, mas apenas 17,5% têm filiação partidária”. Expresso. Página online consultada a 02/02/2024: https://expresso.pt/politica/2023-01-30 


Magalhães, P. (2022). A Participação Política da Juventude em Portugal: Um retrato comparativo e longitudinal, 2002-2019. Fundação Calouste Gulbenkian. Relatório online consultado a 25/01/2024: https://cdn.gulbenkian.pt/2022/03/Relatorio-Ret.Comp..pdf


Soares, R.; Malafaia, C.; Ribeiro, N.; Menezes, P.; Ferreira, P.D. (2022). A Participação Política da Juventude em Portugal: Formas emergentes de participação: Etnografia online com coletivos ativistas. Fundação Calouste Gulbenkian. Relatório online consultado a 30/01/2024: https://cdn.gulbenkian.pt/.pdf

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