Estados Unidos da América: A Falsa Sensação de Democracia

Marta Carvalho 

Licenciatura em Ciência Política e Relações Internacionais, 3ºAno - NOVA FCSH


As opiniões expostas neste artigo vinculam exclusivamente os seus autores.

Os Estados Unidos da América são muitas vezes dados como um exemplo de democracia, ou como responsáveis pela propagação da mesma a nível mundial.  A esta reputação junta-se o impacto da sua política, e acabamos por ser bombardeados por discussões e análises das suas eleições. No entanto, as falhas do seu sistema não costumam ser tão mencionadas, apesar de serem abundantes e discriminatórias. Como podem eles caracterizar-se desta maneira, quando ainda existem tantos obstáculos a nível da sua própria política interna?

Uma das fontes de grande parte dos problemas reside na própria natureza federativa do sistema - cada estado possui as suas próprias regras no que diz respeito às eleições. Um dos fenómenos que pode resultar desta liberdade federal é a supressão eleitoral - a existência de obstáculos durante o ato eleitoral, que provoquem no eleitor uma diminuição da vontade de ir votar ou na probabilidade de o fazerem.

Apesar de ser um problema que existe desde sempre nos Estados Unidos, nos últimos anos tem ganho cada vez mais relevância.  Passou a ser habitual para um eleitor norte-americano passar 11h numa fila de espera para poder votar, como acontece por exemplo na Geórgia. Segundo dados do The Guardian, nas eleições de 2018, por exemplo, 278000 pessoas tiveram constrangimentos para votar no Texas seja por causa das filas intermináveis para votar ou por problemas no ato de inscrição.

No entanto, estes obstáculos não só não são feitos inconscientemente por parte dos governadores de cada estado como perpetuam o racismo estrutural que ainda se vive nos Estados Unidos. Uma das medidas mais evidentes que o comprova é o facto de ao longo dos últimos anos ter existido uma diminuição dos locais de votação, principalmente nos estados em que existe uma maior incidência de população afro-americana e latina. Dados do The Guardian mostram que no caso do Texas, um dos estados cruciais a nível eleitoral, nos condados onde existiu um aumento da população afro-americana e latina na ordem dos 2.5 milhões, foram encerradas 542 urnas de voto. Já nos restantes condados onde se assistiu a uma diminuição da mesma, foram encerradas apenas 34 urnas de voto.

Mas não é só neste aspeto que se assiste a uma supressão eleitoral. Ao contrário de muitos dos países democráticos, como é o caso de Portugal, nos Estados Unidos ainda continua a ser necessário efetuar um registo, pendente de aprovação, para votar.

O racismo, que continua a existir nos Estados Unidos, volta então a refletir-se a este nível.

Segundo o site American Progress, no caso da Geórgia, em 2018, 53000 votantes (dos quais 70% afro-americanos e pertencentes a comunidades democratas) viram o seu registo pendente de aprovação devido a problemas logísticos ao longo do processo de inscrição.

As justificações dadas pelo Partido Republicado e por Donald Trump acerca destes constrangimentos no ato de eleitoral, prendem-se com a preocupação com a fraude eleitoral. No entanto, este não pode ser um argumento plausível uma vez que a fraude eleitoral dos Estados Unidos se encontra nos 0,0003%-0,0025% (Dados do Brennan Center for Justice).

Segundo o The New York Times, no estado da Geórgia, em condados em que 90% da comunidade seja uma minoria (comunidade afro-americana e latina), o tempo mínimo de espera para votar é de pelo menos 51 minutos. Enquanto que em comunidades constituídas por 90% de população branca, o tempo mínimo de espera para votar é de apenas 6 minutos.

A importância dada às eleições americanas não pode nem deve centrar-se apenas nos candidatos e em todos os detalhes que giram à volta das suas personalidades e programas eleitorais. Milhares de pessoas continuam a ter impedimentos e obstáculos ao seu voto num país que todos consideramos, à partida, democrático.

E é nesta falsa sensação de democracia que se esconde um dos aspectos mais cruciais deste sistema: o racismo estrutural que se sente diariamente de variadas formas- seja no caso da morte de George Floyd, nos casos diários de opressão policial ou metendo em causa direitos civis como o direito ao voto que está consagrado no Voting Rights Act de 1965.

A democracia prevê que o voto seja livre e acima de tudo universal, o que não se tem revelado com todos os constrangimentos que têm sido criados de modo a afastar as minorias de exercer o seu direito a votar.

Não é satisfatório que exista apenas um direito ao voto, é necessário que sejam desenvolvidas todo um conjunto de infraestruturas que tornem o ato eleitoral transparente e acessível a todos e que em nada seja a causa para uma desmobilização dos eleitores. A democracia deve ser para todos, não só para alguns. 


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